Por Viviane Oliveira
Com sambas motivados principalmente pelas dificuldades enfrentadas pelos moradores, integrantes do bloco carnavalesco "Se Benze que Dá", fazem pelas ruas das diversas comunidades da Maré um carnaval diferente.
O primeiro enredo, criado em 2005, falava da difícil missão de circulação das pessoas devido aos problemas de violência, em 2008, no auge da epidemia de dengue no Rio, eles preparam um desfile especial. Usando chapéus que lembravam mosquitos e com muito samba no pé, os foliões desfilaram pelas ruas distribuindo panfletos explicativos e protestaram contra o descaso das autoridades.
“O bloco Se Benze que Dá, a cada ano que passa fala mais sobre a Maré, sua história , sua problemática e alegria de viver do seu povo. Mas o que distingue principalmente o nosso bloco dos outros é sua veia contestatória e crítica sobre os aspectos que inteferem na realidade social. Cobrar o direito de ir e vir do morador da favela e de todos os outros da cidade”, diz Leonardo Melo, compositor e membro da comissão de comunicação do bloco.
Para o integrante da bateria Diogo Bezerra, 26 anos, morador da Vila dos Pinheiros esse é o principal diferencial do bloco.
“O Se Benze que Dá não quer apenas fazer carnaval. Ele é uma ferramenta de luta política para os moradores que pode ser potencializada ainda mais.”
Além de desfilar pelas ruas da Maré durante o carnaval, o bloco participa ativamente de manifestações organizadas por moradores e movimentos sociais tais como o “Grito dos Excluídos” e o ato “Outra Maré é Possível”, uma caminhada pela valorização da vida e o fim da violência na região.
Integrante desde o último carnaval Diogo diz que durante os desfiles, que acontecem um sábado antes e outro depois do carnaval, o que mais lhe chama atenção é o comportamento dos moradores.
“Foi uma experiência muito diferente. As pessoas que acompanham os desfiles trazem com elas uma essência diferente. Sinto isso principalmente das pessoas mais velhas”.
Já para mestra de bateria do “Se Benze que dá” Geandra Nobre, 26 anos, moradora do Morro do Timbau e uma das fundadoras do bloco o que mais chama sua atenção é o fato das pessoas não atravessarem as fronteiras que dividem as comunidades.
“Quando saímos do Morro do Timbau e chegamos à Praça do 18, local que divide as favelas que são controladas por facções rivais, as pessoas não prosseguem. Daí quem passa a nos acompanhar são os outros moradores”.
Poucas opções de diversão
Composta por 16 comunidades e quase 200 mil habitantes, na Maré não existem muitas opções de divertimento principalmente durante o carnaval. O grupo que fundou há cinco anos, sentia muita falta do carnaval de rua, que em outros tempos já foi bem mais ativo e espontâneo. O “Se Benze que Dá” veio como uma alternativa interessante aos moradores permitindo que os foliões que curtiam o carnaval fora de suas comunidades e até os que não curtiam tivessem uma experiência de contato com a realidade social do bairro.
Moradora da Vila do João há 27 anos Eloiza Oliveira, comerciante, 49 anos concorda que faltam opções de divertimento na região.
“Atualmente não temos quase nada durante o carnaval a não ser os blocos, que também não são muitos. Só conheço o ‘Se Benze que Dá’ e o ‘Gargalo da Vila’. Eles animam a comunidade, então quando passam pela rua eu vou atrás. Até os mais tímidos se manifestam, aparecem nas janelas e batem palmas para os foliões. Tem gente que acompanha até sem dançar” diz.
A historiadora e componente da bateria Guaraciara Gonçalves, 31 anos, moradora do Morro do Timbau, divide a mesma opinião.
“As manifestações que acontecem aqui acabam sendo muito de improviso. Na Zona Sul os blocos tem apoio da prefeitura, já aqui não temos nada disso. Diante dessa falta de opções o bloco acaba sendo não somente um espaço para se brincar o carnaval, mas também para se levantar questionamentos relacionados à saúde, violência e até sobre essa falta de investimentos das autoridades na nossa região”.
Mas não são somente os moradores da Maré os atraídos para essa folia consciente. A cientista social Juliana Farias, 27 anos, moradora de Botafogo conheceu o “Se Benze” em 2007 por meio das atuações nos movimentos sociais e em 2009 passou a fazer parte da bateria.
“Eu já tocava tamborim e quando resolvi entrar para o bloco foi porque posso unir o que gosto de fazer que é tocar com uma causa que eu acredito. É uma forma de militar e me divertir. As pessoas aqui não estão somente interessadas em fazer um som”, diz
Ao contrário do que acontece nas grandes escolas de samba, o pré-requisito para participação na bateria do bloco não é saber tocar qualquer instrumento com perfeição, mas sim querer participar. Para os organizadores o importante e fortalecer a luta popular por um mundo diferente.
A estudante e atriz Jaqueline Andrade, 23 anos, moradora da Nova Holanda gosta muito dessa característica informal do bloco.
“As pessoas erram ao tocar e se divertem. Lá não existe uma rigidez. A diversão consciente é o que vale”.
O amuleto do bloco
Quem já acompanhou algum desfile do “Se Benze que Dá” sabe que a Arruda é um elemento que não pode faltar. Os integrantes há utilizam como uma espécie de amuleto para proteger os foliões já que o percurso inclui áreas de fronteira que sofrem com confronto entre facções armadas e polícia. Não é fácil determinar quando surgiu a fama da erva protetora, mas ela é usada nessa grande brincadeira. Além da planta, outros elementos também marcam a passagem do bloco pelas ruas e vielas da Maré. O bordão “Vem pra rua morador” não pode faltar.
“Quando o caveirão entra na favela costuma gritar pelo seu auto-falante a frase ‘Sai da rua morador’ então em um dos desfiles um integrante fez o contrário e disse ‘Vem pra rua morador’ que é o que o bloco quer. Queremos os moradores nas ruas reivindicando o seu direito de ir e vir” diz Francisco Valdean, 28 anos, Morador da Baixa do Sapateiro e integrante da bateria.
Além da arruda como proteção e o bordão para atrair os moradores o “Se Benze que Dá” também tem um lema: “Diversão sem alienação”.
“O carnaval para nós, assim como para a maioria das pessoas,significa diversão. No entanto,não uma diversão qualquer preço. Embora seja tempo de festa, não podemos esquecer toda a complexidade da realidade social: violência, fome, falhas graves nos sistemas de saúde, educação. Por isso esse é o nosso lema”, explica Leonardo Melo.
Os desfiles do "Se Benze que Dá!" vão acontecer nos dias 06 e 20 de fevereiro. No primeiro dia, a concentração está marcada para às 15h 30 no Largo do IV Centenário, Morro do Timbau. Já para o segundo dia, os foliões vão se encontrar na esquina da Rua João de Magalhães com Guilherme Maxwell, próximo à garagem da Expresso Brasileiro, na altura da passarela 7 da Av. Brasil às 15h 30.
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